sábado, 23 de outubro de 2010

Capitalização e privatização do petróleo


Capitalização e privatização do petróleo

ILDO SAUER
 
A capitalização vai sanar as carências e assimetrias da sociedade brasileira ou entesourar as elites, mesmo que pródigas em filantropia?Pela Constituição, os brasileiros são os proprietários do petróleo, sentimento reavivado com o aumento da participação pública na Petrobras mediante as reservas do pré-sal.
A hipótese de que pudesse existir uma gigante província petrolífera abaixo da camada de sal foi formulada pelos técnicos da Petrobras ao estudarem, durante décadas, a evolução geológica da costa brasileira por 130 milhões de anos.
A comprovação veio em 2006, com a perfuração da camada de sal pelo primeiro poço do bloco BM-S-11 (Tupi), que não havia encontrado petróleo antes do sal. O segundo poço, perfurado de maio a setembro de 2007, permitiu estimar a reserva em cinco a oito bilhões de barris de óleo leve em Tupi.
Outras descobertas em 2007 confirmaram a dimensão gigantesca da nova província. Em mais de 50 anos, a Petrobras havia descoberto cerca de 20 bilhões de barris. Agora, nos primeiros campos do pré-sal, igualava esse valor e havia indícios de que a reserva poderia chegar a 100 bilhões ou até superar a maior reserva, de 264 bilhões, da Arábia Saudita.
Em todas as descobertas, desde 2006, as notificações foram feitas à ANP (Agência Nacional do Petróleo) e as mais altas autoridades da República foram informadas de todas as atividades e do enorme impacto potencial, econômico e estratégico para o país.
Receberam recomendações para rever o modelo regulatório e institucional do petróleo e suspender os leilões de novos blocos até uma avaliação do impacto do pré-sal.
O modelo vigente garante às empresas a maior parte do valor das descobertas, como prêmio pelo risco mais elevado do pós-sal, drasticamente reduzido no pré-sal. Porém, o modelo e a oitava e a nona rodadas de licitações foram mantidos, e novos atores surgiram para capturar oportunidades.
Em julho de 2007, com apoio de consultores do mais alto nível, foi criada uma nova petrolífera brasileira. Esta recrutou técnicos do núcleo estratégico da área de exploração da Petrobras, com acesso a todas as informações privilegiadas, métodos e tecnologias específicas para o pré-sal.
Para a nona rodada, em novembro de 2007, com blocos ainda definidos com base nas características geofísicas do pós-sal, foram retirados 41 blocos do entorno de Tupi, mas mantidos dez promissores no arco do Cabo Frio, franja do pré-sal.
Nenhuma ação foi tomada para avaliar se os interesses estratégicos do país foram violados ou estavam sob ameaça. Esses dez blocos foram adquiridos pela novel empresa, que, já em junho de 2008, alienou 38% das suas ações por R$ 6,71 bilhões, sendo valorizada pelo mercado em mais de R$ 17 bilhões!
As descobertas já anunciadas antes da conclusão da exploração indicam reservas entre 2,6 e 5,5 bilhões de barris, com valor de mercado entre R$ 40 bi e R$ 80 bi.
Esse resultado é comparável aos cinco bilhões de barris incorporados à Petrobras como capital público por valor superior a R$ 74 bi, descobertos gratuitamente para o governo pela Petrobras como parte das acumulações do pré-sal, que se estendiam além dos limites dos blocos definidos com base no pós-sal.
Junto com o aumento da participação pública na Petrobras, constatamos uma trajetória de enriquecimento privado das mais extraordinárias do capitalismo mundial.
Por que as rodadas foram mantidas? Qual o discernimento revelado para preservar o interesse público? Para quem irá a imensa riqueza, ainda não dimensionada? Irá sanar as enormes assimetrias e carências da sociedade brasileira ou entesourar as elites, mesmo que pródigas em filantropia?
O projeto de lei dá a arbitragem final ao presidente. O povo ainda não foi consultado, e os candidatos não são explícitos.
ILDO SAUER, engenheiro, doutor pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology, nos EUA), é professor titular e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Energia da USP. Foi diretor da Petrobras de 2003 a 2007.
Fonte: artigo publicado na seção TENDÊNCIAS/DEBATES da Folha de S.Paulo. São Paulo, sexta-feira, 22 de outubro de 2010.

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